segunda-feira, 21 de novembro de 2016

“Apocalipse Zombie”

As histórias são muitas e contadas de muitas formas diferentes. Versão romance, aventura thriller ou terror, a base é mais ou menos a mesma. Um grupo de pessoas, procura sobreviver numa luta, não contra as forças da natureza, nem "aliens", asteróides ou guerras, mas sim, contra outro grupo de pessoas transformadas em monstros de algum tipo. Aqui a panóplia é mais ou menos vasta. Lobisomens, vampiros, feiticeiros ou ainda outras criaturas maléficas (com clara predilecção pelos zombies), tentam devorar ou transformar os sobreviventes em seres demoníacos, normalmente desprovidos de consciência humana. Walking Dead, Game of Thrones, The Strain, IZombie, Wayward Pines são apenas alguns exemplos. O mesmo tema prolifera nos filmes, livros, jogos de video e até desenhos animados para crianças. O que há nos zombies que atrai tantas pessoas ultimamente? Seres humanos transformados numa forma alternativa de vida. Forma esta, que pode ir do menos humano (o morto vivo clássico, que não sente, não pensa, não controla e apenas age mecânicamente) ao simpático zombie estudante, como tantos adolescentes que conhecemos. 

Inicialmente, imaginei que o investimento nesta fantasia representava uma tentativa desesperada das pessoas poderem prolongar a vida para além da vida, numa forma de imortalidade, fosse ela qual fosse. Do outro lado, a adrenalina habitual de sentirmos a coragem, o engenho e a força dos sobreviventes, com os quais tentamos identificar-nos (ou não). Também pensei na hipótese das pessoas se estarem a antecipar ao "juízo final", numa espécie de “depois de ver tantas séries destas, quando o Apocalipse chegar, vou estar preparado”. Só mais recentemente me ocorreu, que tal como na maior parte das experiências da vida, o que acontece fora de nós e mexe connosco, fá-lo porque nos espelha algumas coisas. Normalmente, confrontam-nos com aspectos bons e maus da nossa vida, assim como medos e desejos. Parece-me que o crescente interesse e aparente entusiasmo com o “Apocalipse Zombie”, não será diferente. E pode, na verdade, retratar partes de nós. Quem sabe, o medo de não estarmos verdadeiramente vivos, o medo de não termos controlo sobre as nossas escolhas, o medo de, no fundo, a nossa vida ser desprovida de “Alma”. Por outro lado, retrata também o desejo de sobreviver, o desejo de lutar, o desejo de se ser especial, capaz de auto-preservação e salvação da Humanidade e da humanidade (com h pequeno) que há em nós. Salvar do quê? Da invasão do mal, da contaminação do vazio e dos “devoradores de vidas”. Estas histórias, consciente ou inconscientemente, espelham-nos o que de pior e melhor há na nossa existência. Contrastam as “bestas” que por vezes conseguimos ser, em vidas egoístas e carentes de sentido, com a força de criar, construir, lutar e sobreviver, num mundo em transformação. 

Pois acredito agora, que estas séries e filmes são na realidade um retrato dos dias de hoje, mascarados de acontecimentos futuros e envolvidos em fantasia suficiente para o disfarçar. Quanto a serem realistas. Cada um dirá por si.

Autor: Ana Guilhas
Originalmente publicado em "Notícias de Cá e de Lá" nº 44 de 2 de Novembro de 2016 

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