sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Compreender e lidar com o ciúme entre irmãos

Quando dizemos que "um irmão é um presente que se dá a um filho" estamos, naturalmente, a simplificar e a idealizar uma realidade que, a bem da verdade, normalmente é sentido como "presente envenenado". Se pensarmos bem, com a chegada de um irmão, a criança vê o seu "reino" ameaçado, quando uma criatura pequenina, enrugadinha e que (diga-se de passagem), numa fase inicial come, dorme, chora e pouco mais, se vem instalar na sua casa e pior, nos braços da sua mãe! Antes do nascimento do irmão, são muitas as pessoas que lhe dizem "agora vais ter um mano para brincar" e, na sua fantasia, a criança imagina que vai nascer um irmão prontinho para a brincadeira. E assim, a relação começa logo marcada por uma grande desilusão.
Este ser que é um estranho, inicialmente, ainda que activando na criança já alguns receios (p.e. perder a mãe e o pai, perder a exclusividade, perder a propriedade dos seus brinquedos e roupas),  pode até beneficiar de um enamoramento inicial. Fase em que a "guerra", ainda não foi formalmente declarada. Depois, por vezes de forma gradual, outras de forma mais violenta, surgem os primeiros sinais de desconforto, com as regressões, birras, choros e agressividade com o recém chegado. Ainda assim, justiça seja feita, depois de ultrapassado o reboliço "inicial" (que pode durar alguns tempo), criam-se as condições para que se manifestem todas as coisas boas que um irmão pode trazer à vida de uma criança, em termos de aprendizagem, cumplicidade e companheirismo. Mas primeiro, há que ultrapassar as dificuldades.

Antes de intervir, compreender
Com a chegada de um irmão, "baralham-se os amores" e, por essa razão, inicialmente, mais do que gerir a relação, será importante ensinar os seus filhos a lidarem com as suas próprias emoções. As queixas dos seus filhos, por mais estranhas ou afastadas da realidade que lhe pareçam, são formas dele exprimir o que sente e, principalmente, os medos que o perturbam naquele momento. Por essa razão, é importante que as oiça, e que as considere como válidas, reagindo com empatia. Durante estes períodos de "crise", é muito importante que escute com particular atenção para que possa ajudar o seu filho a elaborar, ao seu ritmo, esta nova realidade.
Hoje sabe-se que os sentimentos são sempre melhores manifestos do que reprimidos. No entanto, quando ralhamos, argumentamos ou pressionamos uma criança a deixar de ter determinados comportamentos (de agressividade por exemplo), estamos precisamente a levá-la a reprimir a manifestação e não o sentimento que lhe é subjacente. Este tende até a intensificar-se. Por outro lado, sempre que fazemos juízos de valor acerca da forma como a criança está a reagir, punimos e/ou censuramos, estamos a atingir a criança na sua auto-estima, o que virá confirmar os seus receios de que está a "perder" o amor dos seus pais.
Alguns autores, consideram que a rivalidade entre irmãos, se deve a uma ameaça à sua individualidade. "Eu devo ser como sou, ou devo ser como o meu irmão?", "se formos diferentes, seremos igualmente amados?" são algumas das questões que, ainda que não seja de forma consciente, inquietam a criança. Respeitar as diferenças e ajudar os seus filhos a desenvolver a sua individualidade terá um papel muito importante no processo de aceitação. Cada um é, e deve ser, como é! Se o seu filho sentir que ser ele próprio não é bom e que, o melhor é ser como o irmão, vai, inicialmente, tentar mudar. Deste movimento podem surgir as regressões como por exemplo, pedir chucha, gatinhar ou querer voltar ao biberão, ou a imitação de gostos, brincadeiras, entre muitas outras coisas. Com o fracasso da tentativa de ser como o irmão (porque de facto não é possível, nem desejável) vem a zanga, a frustração e a rejeição. O ideal será então que os pais reforcem as diferenças, mostrando que todas as formas de ser, sexo e idades, são importantes e têm lugar na família. Mostre que essas diferenças são precisamente o que torna a família especial, pois assim, ser como ele é, é ser especial. Ultrapassar os ciúmes de um irmão corresponde a uma conquista gradual de auto-estima, segurança e individualidade. A criança percebe que é amada como é, e independentemente do que faça. E pode, a partir daí, passar a amar livremente e sem medos este pequeno "invasor" que, rapidamente, se pode tornar no seu melhor e mais especial amigo.

Conselhos para lidar com o ciúme
1. Escute sempre as queixas do seu filho de coração aberto, sem julgamentos e agindo de forma empática. Diga coisas como "percebo que estejas triste, a mamã tem estado muito tempo com o mano e tu gostarias que pudesse estar esse tempo todo contigo também" e "compreendo que seja muito chato ter um irmão mais novo". Note-se que dizer "ter um irmão é chato", é diferente de dizer "o teu irmão é chato".
2. Nunca tome partido nos conflitos e evite interferir. Se não for mesmo possível, então separe-os. Não com forma de castigo mas para os levar a fazer actividades diferentes. Se se tiverem magoado, então envolva os dois na reparação de igual forma.
3. Não condene o mais velho por ter uma atitude hostil ou exprimir sentimentos negativos. Eu sei que é difícil resistir à tendência fortemente enraízada para dizer coisas como "isso é feio!", "não digas isso do teu irmão que ele gosta tanto de ti", "temos que gostar dos irmãos e tratar bem deles", etc. Ao invés disso, experimente "traduzir" as acções, revelando os sentimentos que estão por detrás do comportamento, usando frases como "compreendo que estejas irritado porque o teu irmão está a estragar a tua brincadeira" ou "vejo que estás zangado porque o teu irmão está a precisar da atenção da mamã", "se neste momento não te apetece brincar com o teu irmão, não brinques".
4. Não tente, de forma alguma, convencê-lo que gosta mais do irmão do que o que pensa. o seu filho está zangado e é só nisso que está focado. Se tentar convencê-lo do contrário, vai fazê-lo sentir-se culpado e isso pode agravar ainda mais a situação.
5. Para lidar com as regressões, promova actividades com o mais velho que estejam de acordo com a sua idade (brincar com os amigos, fazer jogos mais complexos e que lhe dêem prazer, ir passear só com o pai ou só com a mãe).
6. Se o seu filho acha que o irmão está a ser beneficiado relativamente a alguma coisa, não negue. É assim que ele está a sentir a situação e, para já, não consegue analisá-la sob outro ponto de vista. A negação só vai aumentar o sentimento de injustiça e incompreensão. Explique apenas que as coisas não são, nem têm que ser sempre feitas de forma igual e que, isso nada tem a ver com o que sentimos pelas pessoas. Pode dizer coisas como "quando nasceste também recebeste muitos presentes como o teu mano está a receber. Não sei se foram mais, se foram menos. Só sei que foram muitos, muitos" e "é chato quando sentimos que estamos a ser prejudicados. Eu lembro-me de sentir isso quando era pequenina".
7. Para o ajudar a lidar com as diferenças e respectivas vantagens e desvantagens, pode dar exemplos que o ajudem a perceber que também ele já viveu as etapas pelas quais o irmão está agora a passar. Alguns exemplos seriam "as pessoas gostam muito de olhar e falar com os bebés na rua. Quando tinhas a idade do teu irmão também era assim contigo", "quando eras pequenino, não podias brincar no parque como fazes agora. Só podias passear no carrinho como o teu irmão".
8. Promova a individualidade e diferença nos seus filhos. Dê exemplos de formas de ser diferentes como "o papá adora lavar o cabelo. Já eu sou como tu, não gosto nada". Evite comprar roupas iguais ou a combinar. Quando já for possível, peça para que sejam eles a escolher e ajude-os a fazê-lo de acordo com os seus gostos individuais. Se possível, evite as heranças "passivas" de roupa e brinquedos. Pergunte ao mais velho o que é que já não quer para ele e que queira dar ao mais novo. Depois, confirme se o mais novo o quer receber ou se interessa.
9. Se os níveis de agressividade são muito intensos, então pense em ajudar o seu filho a desenvolver uma boa auto-estima e auto-confiança e leve-o para actividades ao ar livre e físicas que o vão ajudar a descarregar alguma energia.

Do lado dos pais
Lembre-se de como foi a sua infância. Muito da forma como reagimos aos ciúmes dos nossos filhos, passa pelo que nós próprios experienciámos em criança. Foi filho/a único/a ou tem irmãos? Tem tendência para defender o mais velho? O mais novo? Irrita-se e desvaloriza as queixas? Age passivamente ou é demasiado interventivo/a? O que é que sente em cada um dos momentos de ciúme com que é confrontado/a? Espreite dentro de si mesmo/a. Depois de encontrar estas respostas, tente separar o que é seu e o que é dos seus filhos. Cada um deles é um ser único e especial e vão viver a existência de um irmão de forma igualmente única e especial.

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