domingo, 24 de dezembro de 2017

O Natal não é Mágico!

O Natal não é mágico! Como às vezes fingimos acreditar. Antes pelo contrário, é bem real (e por vezes, até bastante duro).

Acima de tudo, é uma oportunidade de (re)encontrarmos algumas das nossas verdades. Sentirmos o que nos dói, o que nos conforta, o que nos faz falta, o que temos...
Há quem se choque com o consumismo, há quem se consuma em vazios. Há quem dê aos outros para si-mesmo, há quem dê a si-mesmo para dar aos outros. Amores que serenam, ódios necessários... As contradições são Vida e a vida é bem real. Tal como o Natal.

O que vos desejo? Que neste Natal se dêem de presente a vocês mesmos . Hoje mais que ontem, amanhã mais que hoje, e passo a passo, ano a ano, se encontrem em Amor Próprio (e pelo Outro). E que este Natal, independentemente de ser dos que doem, dos que fazem sorrir, dos que fazem sonhar, ou dos que fazem chorar, que seja, sobretudo, um Natal de acolhimento e respeito pelo vosso sentir. E que assim, só assim, possa ser genuinamente o vosso Natal. 

E o encontro com o que é nosso... é Mágico! ;)

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Estamos "Trumpados"

A definição mais comum da palavra "política" remete para a "habilidade, prática ou ciência de governar uma nação". Este conceito assenta no pressuposto de que existem assuntos que dizem respeito, interessam e afectam todos os cidadãos, embora possa ser aplicado (diria mais "usado") de formas muuuuuito diferentes (e tantas vezes questionáveis). Ainda que se possa organizar das mais diversas maneiras, regra geral, trata-se de um grupo (grande) de pessoas, representado e/ou liderado por um grupo mais pequeno de pessoas, que por sua vez, se faz representar ou segue um determinado indivíduo.
O topo da pirâmide, carrega em si, a responsabilidade do bem estar de uma nação e de toda a sua população, e idealmente, estaria ocupado por pessoas maduras, mentalmente sãs e com um bom nível de auto-conhecimento e desenvolvimento pessoal.  Na realidade, os cargos políticos são, ou deveriam ser, por definição, cargos de "serviço" ao outro. No entanto, não é fácil ter essa vocação. Para servir, é preciso ser-se inteiro e não se estar a compensar "fragilidades" do ego. É preciso não precisar do amor do outro, que é como quem diz, não precisar de ser admirado ou venerado. Só quem é dotado de grande sabedoria e compaixão, só quem consiga interessar-se verdadeiramente pela individualidade e aceitar a diferença, consegue estar à altura de cargos políticos.  
A questão é que, para além do altruísmo genuíno, da maturidade psicoafectiva, do desejo de fazer positivamente a diferença na vida das pessoas, a política (e em particular as funções de topo) torna-se particularmente atractiva para um tipo muito particular de personalidade. Na Perturbação Narcísica da Personalidade, o individuo sente necessidade de protagonismo e alimenta-se de ideias de grandeza. É verdade que muitas vezes procuram compensar sentimentos de insignificância e de inferioridade, mas o facto é que se "defendem" pela arrogância, e pautam-se por um implacável egocentrismo. Normalmente, existe acima de tudo uma incapacidade de ver o mundo por um ponto de vista diferente do seu, acreditando que só está bem feito o que é feito à sua maneira e de acordo com as suas crenças. As ilusões de superioridade e a necessidade de criar uma realidade em que se sinta especial e importante, levam estas pessoas a procurar funções que lhes proporcionem notoriedade social, reconhecimento e/ou fama. E infelizmente, nada melhor do que a política, certo?

É fazer-se ver, fazer-se ouvir, conseguir criar uma estranha forma de carisma, e assim,  conquistar votos. O problema é que a seguir às eleições vem mais, muito mais. Vimos nós todos. Os que sustentam a pirâmide. E quando quem "ganha" não tem em si o que realmente é preciso, então aí, estamos todos "trumpados"!

Originalmente publicado em "Notícias de Cá  de Lá" nº 45 de 10 de Dezembro de 2016.
Autora: Ana Guilhas

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

“Apocalipse Zombie”

As histórias são muitas e contadas de muitas formas diferentes. Versão romance, aventura thriller ou terror, a base é mais ou menos a mesma. Um grupo de pessoas, procura sobreviver numa luta, não contra as forças da natureza, nem "aliens", asteróides ou guerras, mas sim, contra outro grupo de pessoas transformadas em monstros de algum tipo. Aqui a panóplia é mais ou menos vasta. Lobisomens, vampiros, feiticeiros ou ainda outras criaturas maléficas (com clara predilecção pelos zombies), tentam devorar ou transformar os sobreviventes em seres demoníacos, normalmente desprovidos de consciência humana. Walking Dead, Game of Thrones, The Strain, IZombie, Wayward Pines são apenas alguns exemplos. O mesmo tema prolifera nos filmes, livros, jogos de video e até desenhos animados para crianças. O que há nos zombies que atrai tantas pessoas ultimamente? Seres humanos transformados numa forma alternativa de vida. Forma esta, que pode ir do menos humano (o morto vivo clássico, que não sente, não pensa, não controla e apenas age mecânicamente) ao simpático zombie estudante, como tantos adolescentes que conhecemos. 

Inicialmente, imaginei que o investimento nesta fantasia representava uma tentativa desesperada das pessoas poderem prolongar a vida para além da vida, numa forma de imortalidade, fosse ela qual fosse. Do outro lado, a adrenalina habitual de sentirmos a coragem, o engenho e a força dos sobreviventes, com os quais tentamos identificar-nos (ou não). Também pensei na hipótese das pessoas se estarem a antecipar ao "juízo final", numa espécie de “depois de ver tantas séries destas, quando o Apocalipse chegar, vou estar preparado”. Só mais recentemente me ocorreu, que tal como na maior parte das experiências da vida, o que acontece fora de nós e mexe connosco, fá-lo porque nos espelha algumas coisas. Normalmente, confrontam-nos com aspectos bons e maus da nossa vida, assim como medos e desejos. Parece-me que o crescente interesse e aparente entusiasmo com o “Apocalipse Zombie”, não será diferente. E pode, na verdade, retratar partes de nós. Quem sabe, o medo de não estarmos verdadeiramente vivos, o medo de não termos controlo sobre as nossas escolhas, o medo de, no fundo, a nossa vida ser desprovida de “Alma”. Por outro lado, retrata também o desejo de sobreviver, o desejo de lutar, o desejo de se ser especial, capaz de auto-preservação e salvação da Humanidade e da humanidade (com h pequeno) que há em nós. Salvar do quê? Da invasão do mal, da contaminação do vazio e dos “devoradores de vidas”. Estas histórias, consciente ou inconscientemente, espelham-nos o que de pior e melhor há na nossa existência. Contrastam as “bestas” que por vezes conseguimos ser, em vidas egoístas e carentes de sentido, com a força de criar, construir, lutar e sobreviver, num mundo em transformação. 

Pois acredito agora, que estas séries e filmes são na realidade um retrato dos dias de hoje, mascarados de acontecimentos futuros e envolvidos em fantasia suficiente para o disfarçar. Quanto a serem realistas. Cada um dirá por si.

Autor: Ana Guilhas
Originalmente publicado em "Notícias de Cá e de Lá" nº 44 de 2 de Novembro de 2016 

terça-feira, 13 de setembro de 2016

No Interior se Gera a Vida


Tal como uma semente, que tem que cair em solo fértil para vingar, também uma ideia, um desejo, um amor, precisa da mesma fertilidade, e das condições de protecção e evolução para crescerem forte e saudavelmente. Mas é no exterior que tantas vezes nos focamos. Procuramos coisas, amor, realização... Procuramos o que pensamos querer (e precisar) para nos sentirmos a viver. Em vão, esperamos que cresça, apesar de não lhe darmos solo (ou colo). Na verdade, esse só existe no nosso interior. Sem sabermos, toda a fertilidade de que necessitamos está dentro de nós. É no ventre que se gera e cresce a vida, ciclo após ciclo.  É aí que começam os milagres. Mas a vida não é exclusiva de um novo Ser que venha ao mundo. Vida é tudo o que conseguimos construir, gerar, fertilizar ao longo de uma vida já existente, e tão preciosa quando qualquer outra. A nossa.

Focados no exterior, procuramos elogios, procuramos que nos amem, procuramos que nos valorizem e dêem reconhecimento. E por vezes, até o conseguimos ter. Mas aí, tal como escravos da “exterioridade”, continuamos a mendigar, a lutar por mais, na expectativa de que possamos sentir que ganhamos um pouco também dentro de nós. De alguma forma, é como fixar-nos numa semente, e contemplá-la longamente, sem lhe pôr terra, sem a regar, sem a cuidar e amar verdadeiramente, ainda que com a expectativa de a ver crescer e a poder “sentir”. Por vezes até, há quem agarre essa semente, e que tente cuidar dela no nosso lugar. Mas aí, nunca será a nossa semente e no íntimo sentimos isso. O que queremos para nós, só pode vir do mais fundo das nossas entranhas. É aí que se esconde a “Alma”. É aí que guardamos a Vida. A nossa vida. É por isso que digo que só vive verdadeiramente quem se vive a si mesmo. Quem olha, vê, contempla e cuida do seu interior. Quem chora as suas mágoas, sorri as suas alegrias, ama e odeia cada minuto da sua própria vida, numa honestidade (tão difícil quanto libertadora) do que verdadeiramente é, e tem. É no interior que se gera uma vida, é no interior que se guarda a vida de quem partiu, é no interior que vive quem amamos, é no nosso interior que vivemos verdadeiramente. Só assim, germinará a semente e abrirão um dia as suas flores, crescerão os seus frutos, que esses sim, contemplarão o sol e farão as delícias de quem escolhemos ter, também, no nosso exterior.  

Originalmente publicado em "Noticias de Cá e de Lá" edição 42 de 10 de Agosto.

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

A Dor do Outro


Conhece certamente a expressão popular “com a dor dos outros, posso eu bem!”. Embora possa ter várias linhas de interpretação, a verdade é que ela pode ajudar-nos também a pensar sobre uma realidade tão assustadora quanto real: nem toda a gente consegue sentir para além de si mesmo. Jovens que espancam e aterrorizam outros jovens, adolescente que tortura o cão (e orgulhosamente publica na Internet), 30 homens que violam uma jovem de 16 anos, e por aí adiante. Parece ir em crescendo, mostrando que o Ser Humano consegue sempre mais um bocadinho de horror a cada passo. O mais fácil seria pensar que se tratam de casos mais ou menos pontuais, ou circunscritos a determinadas realidades, e originados na doença mental, como é o caso da sociopatia, as estruturas de personalidade perversas, ou outras formas de patologia. Mas não podemos ficar-nos por esta análise. Onde fica a intervenção? Como são tratados estes casos para que os horrores não se voltem a repetir? O que é feito a título de prevenção para evitar que o “comum mortal” esteja à mercê do principal predador dos humanos, o próprio Ser Humano? Se grande parte da resposta é, por um lado, institucional, por outro, não podemos esquecer que directa ou indirectamente, somos todos participantes.
Como é que habitualmente reagimos? Assustamo-nos por uns dias, indignamo-nos e ditamos “sentenças” como “era torturá-los a todos”, “era matá-los aos poucos”, “era fazer-lhes igual”, etc. Depois, voltamos à nossa vida “normal”, à espera de ficar indignados com outros tantos horrores que venham a ser noticiados mais tarde. E cada palavra de revolta faz-nos sentir envolvidos, activos e mais humanos. Mas, contas feitas, tudo não passa de um folclore inútil que na realidade nada muda.
Não há volta a dar: a responsabilidade pelo tipo de mundo em que vivemos é de todos nós! A indiferença perante o sofrimento alheio não é exclusiva de pessoas com estruturas de personalidade patológica ou pessoas profundamente adoecidas. Demasiadas vezes, para (sobre)vivermos num mundo de contrastes e ainda com tanta dor, nos defendemos do envolvimento, em nome da nossa própria sobrevivência psicológica, através de um distanciamento artificial. Uma espécie de “não vejo, ou não dói tanto, porque não aconteceu no meu quintal”.

A verdade é que se muitos dos horrores, que nos chocam nas notícias, são protagonizados por pessoas perturbadas e/ou profundamente doentes, existe toda uma responsabilidade a atribuir à cultura, aos hábitos, às mentalidades de quem faz parte do contexto em que essas situações, que mais parecem “filmes de terror”, se desenrolam. Ainda que não tenhamos sempre consciência disso, não intervir perante muitas das coisas que vemos no nosso dia-a-dia, é autorizar que, mais tarde, aconteçam coisas que não queremos ver. Lamentavelmente, também somos culpados quando deixamos que em nós se enraíze o sentimento de “não vale a pena fazer nada”. Provavelmente umas das expressões mais destrutivas do poder Humano, o poder de intervir na “dor do outro”.

Originalmente publicado em "Notícias de Cá e de Lá" nº 41 de 30 de Junho 2016

Incoerências


Na vida, as contradições são muitas, e nem sempre o que se apresenta aos olhos é o mais importante de se ver. Outras tantas vezes, não representa aquilo que realmente sentimos, queremos ou sabemos no nosso íntimo.
E assim, podemos estar muito longe de pessoas que estão ao nosso lado, e muito perto de quem já partiu. Podemos fugir de amar e sermos amados, quando na realidade o Amor é tudo o que mais precisamos e queremos alcançar. Podemos manter-nos sós, quando queremos profundamente partilhar-nos com alguém. Podemos ter medo de morrer,  quando intimamente sentimos que não estamos a viver. Podemos ter medo do que não nos faz mal, submetendo-nos a uma vida de perigosa insatisfação. Podemos acreditar na felicidade futura, desprezando a vivência do hoje. Podemos desejar o amor de quem mais odiamos (e amamos). Podemos querer receber, sem sabermos o que temos em nós para dar.
Com uma grande dose de coragem e um desejo forte de viver plenamente, é para dentro que aprendemos a espreitar. Aí, abrimos espaço para perceber que a verdadeira luta a travar não é contra o mundo, mas é sim interna. E quem se sente só, tem que caminhar em direcção ao outro. Quem se sente vazio, deve dar a si mesmo. Quem aceita viver a tristeza que tem em si, sente-se cada vez mais capaz de alegria. E um mundo que parece tão injusto e tão cheio de incoerências, diz-nos que a vida pode ser também doce e prazerosa. Mas para ter prazer com o que fazemos, temos primeiro que ter prazer no que somos.

Só vive livre quem aprende a encontrar em si, as suas incoerências. Só vive bem, quem aprende a entendê-las. Só vive com poder, quem não aceita render-se. 

Originalmente publicado em "Notícias de Cá e de Lá" nº 40, 10 de Maio 2016

segunda-feira, 2 de maio de 2016

O Seu Filho Ainda Tem Medo de Dormir Sozinho?

"O Quarto da Criança, um Reflexo do seu Espaço Interno"

Com alguma frequência, mães de crianças entre os ​7 e os 11 anos pedem-me ajuda porque os filhos não adormecem sozinhos. A mãe tem de se sentar/deitar ao seu lado até adormecer, e sempre que acorda à noite chama pelo pai ou pela mãe. Existem muitas teorias, crenças e falsas ideias sobre esta questão. Por essa razão, gostaria de partilhar algumas reflexões que me parecem importantes.

1. Entender a Situação

​Cada criança, família e situação é única. E por essa razão, é fundamental primeiro entender, explorar e contextualizar. A idade da criança, por exemplo, faz toda a diferença. Por outro lado, não existem fórmulas mágicas, nem universais. É por essa razão, que antes de mais nada, é preciso responder a algumas perguntas. 
​P​or exemplo, porque é que a mãe tem de se deitar com ele? O que acontece se não o fizer? Como é que ele reage? Chora? Fica triste? Zanga-se? Levanta-se? Apenas insiste? Não consegue adormecer? Alguma vez a criança dormiu sozinha​? Se sim, quando é que começou a precisar de companhia? O ​quarto dos pais fica muito longe do da criança? Como seria se a mãe ou o pai, ao invés de se deitar com o filho, lhe fizesse apenas companhia durante algum tempo, sentada na cama, ou numa cadeira ao lado da cama? Os pais já conversaram com o filho acerca da situação? Se for o caso, quais são as razões que ​a criança dá para querer a sua presença ao adormecer e durante a noite? 
​É frequente responderem que o filho tem medo de​ "estar só​". Aí, é importante perceber melhor o que é estar só. É estar habituado a estar sempre acompanhado? Tem medo? Se sim, do quê? Sente-se ansioso, triste ou angustiado? 
Por fim, seria importante saber como a mãe ou o pai se sente​m​ com esta situação? Preferem dormir ao lado do filho, ou na sua cama (ao lado do seu ​companheiro/a, se for o caso)? Já se sentaram os três e conversaram sobre o que cada um sente relativamente a esta questão​, e como se poderão ajudar uns aos outros? O que é que cada ​elemento da família precisa?

2. A capacidade da criança dormir no seu quarto​

A capacidade de dormir sozinho, envolve na pessoa (da criança ao adulto) uma série de recursos e competências que são fisiológicas numa fase inicial, e gradualmente, cada vez mais emocionais. Se considerarmos um bebé, que acaba de chegar ao mundo e que não tem em si ainda a capacidade de se ver e reconhecer como um ser individual e “separado” da sua mãe, e que, para além disso, necessita de mamar de duas em duas ou de três em três horas, faz-nos todo o sentido, pensar que o seu lugar será precisamente junto à mãe. Desta forma, sentir-se-á mais seguro, poderá interiorizar a ideia de que as suas necessidades têm resposta, e, em termos logísticos, dar mama à noite fica claramente mais fácil. 
Mas a verdade é que o ser humano, pelo “bicho” complexo que é, vai evoluindo gradualmente da necessidade de cumprimento de necessidades básicas (sejam fisiológicas e/ou de afecto), e começa a desenvolver em si, uma estrutura psíquica, que ainda que em constante transformação, o irá acompanhar ao longo de toda a sua vida. A qualidade desta mesma estrutura, irá determinar a forma como vai viver, fazer as suas escolhas e sentir-se, ao longo de todo o caminho. Pois bem, cabe aos pais, estarem atentos a este processo evolutivo, e é aqui que entra a questão do dormir no seu próprio quarto e da capacidade de “estar só”. 
Importa dizer que dormir no seu próprio quarto e dormir sozinho, são coisas diferentes. Veja-se o caso de crianças que têm irmãos mais velhos e nunca chegam a dormir efectivamente sozinhas. Isso não é um problema. A grande questão, é que, se numa fase inicial faz sentido o bebé estar junto à mãe, gradualmente, é importante que sinta que pode afastar-se dela e retornar a ela, sem danos para si mesmo, nem para a mãe. Isto, permite-lhe desenvolver o sentido de existência “dos objectos”, para além da sua presença física. Onde os vai encontrar? Dentro de si. Dentro da tal estrutura psíquica. Com o desenvolvimento da capacidade de guardarmos pessoas (e não só) “dentro de nós”, aprendemos a sentir-nos mais seguros. É isso que permite à criança ficar na escola durante o dia, sem se desestruturar, permite-lhe pensar em si mesma como um ser que poderá estar longe, estando muito perto. Aqui, eu voltaria a perguntar: o que é estar só?
Pense no adulto, que podendo estar a dormir na cama com outra pessoa, pode igualmente sentir-se profundamente só, e estando a dormir sozinho num quarto, pode sentir-se absolutamente acompanhado, seguro e amado. O verdadeiro sentido de proximidade é vivido dentro de nós. Está na capacidade de confiar que as pessoas significativas estão cá para nós, no sentido lato da expressão e não apenas no sentido físico. 
A par com esta competência profundamente estruturante para o Ser Humano, existe outro aspecto que entra em acção nestas situações. O sentimento de segurança interna. O que há de tão ameaçador na vida ou neste mundo, que leve a que ​a ​criança não possa dormir num quarto (provavelmente separada​ do quarto dos pais apenas por uma parede), sozinh​a​? A resposta é nada. É isso que temos que sentir, e que temos que passar aos nossos filhos. 
Mas a questão é que os pais vivem com os seus próprios medos (muitas vezes inconscientes) de que poderão perder os seus filhos, ou de que este mundo é efectivamente uma ameaça. Quando confrontados com a fase normal e saudável dos medos, pesadelos e terrores nocturnos da criança, são os pais quem mais se assusta. Depois, perante as suas inseguranças, enviam mensagens confusas aos seus filhos. Alguns exemplos são os pais que abrem os armários para mostrar que não está lá nenhum monstro (se eles não existem, porquê que é preciso espreitar?), outros dizem aos filhos para rezar muito quando chegam os medos (para estarem protegidos, do quê?), ou dizem que mandaram embora o que quer que fosse que estivesse no quarto (então mas se não existe...). Estas mensagens são contraditórias. Tanto quanto ficar a dormir com o seu filho. Está a dizer-lhe indirectamente que ele precisa que fique ali com ele, para que possa estar protegido (e consiga dormir em paz) - “Se a minha mãe fica aqui, é certamente porque eu preciso disso para estar bem”.
Dormir sozinho põe ainda à prova e ajuda a desenvolver, uma terceira competência que me parece digna de ser mencionada aqui​: ​a capacidade da criança gerir as emoções (e os seus fantasmas pessoais). A noite é óptima para lhe ensinar isso mesmo. Quando dizemos a um filho -“o teu lugar não é na minha cama e o meu lugar não é na tua cama”, estamos a permitir-lhe viver algumas das frustrações que fazem parte da vida e que ele vai ter que aprender a gerir. Quando dizemos a um filho, “eu percebo e é normal teres medos, vou ajudar-te no que me for possível, mas sei que boa parte da conquista vai ser tua”, estamos a ajudá-lo a gerir os seus próprios medos, e a entender que se a mãe não fica assustada e o deixa lidar com eles, então não deverão ser assim tão "gigantescos”. Quando diz ao seu filho – “eu consigo estar fisicamente separa de ti, continuando a amar-te da mesma forma”, está a dizer-lhe que o amor é constante, genuíno e seguro. 
Sempre que se aborda este tema, normalmente os pais focam a questão da autonomia, como sendo um ponto ou uma preocupação central. Pensam, na maioria das vezes, em autonomia funcional. Esquecem, no entanto, que a verdadeira autonomia, é a autonomia emocional. A capacidade de enfrentar desafios sem se desestruturar, a capacidade de ser ver como um ser individual e único (que não se funde ou baralha com os outros), capaz de construir o seu próprio caminho, encontrar as suas próprias soluções, ainda que, possa escolher fazer esse caminho acompanhado (e escolher, é muito diferente de precisar). Ou seja, escolher aconselhar-se com os pais sempre que tem um problema, é diferente e muito mais libertador do que acreditar que precisa da ajuda dos pais sempre que enfrenta um desafio. 

3. Ajudar o seu filho/a a dormir no seu próprio quarto​

​Para ajudar a criança a dormir no seu próprio quarto, aceitando que os pais façam o mesmo, ​​é fundamental que possam todos conversar abertamente sobre esse tema, sem acusações, recriminações ou castigos. Os pais devem falar sobre o que cada um pensa e sente sobre a situação. Depois, perguntar ​ao filho o que pensa, sente, e acha que consegue fazer. 
​É igualmente importante que sejam clar​os sobre a organização familiar,​ e a vivência do espaço da casa,​ definindo as regras e explicando o que as coisas são. “Eu e o pai somos um casal e, por isso, dormimos na mesma cama. Um dia, poderás querer o mesmo para ti”, “​t​u és nosso filho, e por isso, preparámos o teu quarto, um espaço teu, e que fica junto ao nosso quarto”. ​Para o seu filho, o respeito pelo quarto torna-se ainda mais importante na adolescência, ​altura em que os pais não deverão entrar sem bater, por exemplo. 
​Porque me perguntam muitas vezes, devo dizer que quanto a mim, deixar chorar não é uma opção. Na minha opinião, nunca foi. Fazer escolhas claras, ser coerente e determinada​/o​ não é deixar de ser sensível às necessidades do seu filho​/a​. O que acontece às vezes, é confundirmos o que ​a criança pede, com o que el​a realmente precisa, e o que el​a​ pensa que não consegue fazer, com uma verdadeira incapacidade. Ora, ​a criança não sabe até onde consegue ir, até chegar lá. Precisa por isso, que alguém acredite por el​a​ numa fase inicial, para que el​a​ possa começar a acreditar sozinh​a​, numa fase mais adiantada. Todo este processo de conquista, pode e deve ser feito com o seu acompanhamento. Precisa de alguém ao seu lado para adormecer? Não se deite com el​a​. ​E​steja ao lado del​a​. Tem pesadelos, acorda e chama os pais? Vá lá, confort​e-a​, diga-lhe que virá sempre que ​ela​ precisar, mas que​,​ ​uma vez que esteja mais calm​a​ ou te​nha​ ​adormecido, ​voltará para a sua própria cama. Isto é muito cansativo no in​í​cio, mas gradualmente, el​a​ deixará de sentir necessidade de chamar ​os pais ​(estará a desenvolver ​um​ sentimento de segurança). 
Outra estratégia importante é, se ​ambos os pai​s​ fizer​em​ parte do agregado, que alternem “os turnos”. Um dia fica para um, no outro dia, é o outro. Tenha em atenção que são os pais que decidem, e se organizam, e não o seu filho. Ou seja, hoje será o pai porque eu tenho que fazer umas coisas, amanhã serei eu porque o pai vai estar mais ocupado, etc. Uma das coisas que mantém muitas vezes, este tipo de comportamento, é uma falsa sensação de controlo sobre a mãe e sobre a relação dos pais. A criança fica refém dessa necessidade, e acredita que só pode sentir-se segura se controlar as pessoas à sua volta. Imagine o que é crescer com este sentimento!
Organize e crie uma rotina “amiga” do sono. Tente que o horário durante a semana seja estável, sendo que podem fazer do fim de semana, a exceção. Actividades mais calmas e relaxantes perto da hora de dormir são benéficas. Por outro lado, a hora de ir para a cama, pode ser um bom momento para partilhas com o seu filho, conversar calmamente sobre os seus sentires, planos para o dia seguinte, etc. Se houver medos, ou ansiedades, falar sobre elas é benéfico. O papel dos pais é estar ali, ouvir, entender, conter. Não minimize, desvalorize ou tente resolver as questões à sua maneira. Esteja apenas lá, e diga-lhe que entende que aquilo esteja a ser difícil, abrace-o sempre que for preciso, e diga-lhe que confia que ele vai conseguir lidar com a situação. 
Para terminar, é fundamental ​que os pais saibam que é seguro deixar o​s​ seu​s​ filho​s​ crescer. Não o​s​ estão​ a perder. A relação está apenas a transformar-se e ​a criança a fazer um caminho saudável. 

​Como nota final, deixo o alerta de que se estas estratégias não forem suficientes, ou se houver outros sintomas associados (alimentação, auto-estima, comportamento, aprendizagem, etc.), ​então não deve hesit​ar em procurar a ajuda de um psicólogo. A questão pode ser mais profunda e é fundamental que não deixe o seu filho crescer logo à partida com estas dificuldades.
Ana Guilhas,

Publicado originalmente em "UP TO KIDS"
Poderá lê a publicação original aqui