quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Ainda a história dos TPC's!

Os TPC's estão a ficar cada vez mais famosos e há muito que se lhes (contra)diga. Mas às vezes, tenho a ideia de que muitos pais assumem o papel de "bons alunos" garantindo que se cumpra o que foi mandado pelo professor, sem usarem o sentido crítico e sem fazerem valer os seus direitos como gestores da sua própria dinâmica familiar.

Pais exaustos por terem que acompanhar os trabalhos de casa dos filhos pela noite dentro?!

Pais que reclamam por terem de fazer uma grande parte dos trabalhos dos filhos porque a exigência vai para além das aquisições escolares, e/ou porque são em quantidade desmesurada?!

O acesso geral à educação e a escolaridade obrigatória são, sem dúvida instrumentos valiosíssimos para a nossa estrutura social e para cada um de nós enquanto indivíduos. A escola existe para nos fazer bem, para sabermos mais, sermos mais fortes e, sobretudo, estarmos mais preparados para defender e viver de acordo com os nossos valores. Mas então que escola é esta que nos causa angústia, diz-se fazer mal aos nossos filhos e parece tantas vezes prejudicar a estrutura mais importante e basilar de todas, que é a família? O seu propósito parece estar completamente desvirtuado.

Se por um lado, nas mais altas instância se tomam decisões perfeitamente absurdas e desprovidas de suporte teórico, sentido prático e valor humano, não é menos importante a forma como pais, professores e alunos se posicionam face a essa realidade. Como é que existem professores que praticamente não pedem trabalhos de casa e, outros, mandam quantidades "astronómicas", dizendo não ter alternativa? Faz sentido haver pais que se colocam inteiramente na posição de "bons alunos" (talvez presos ainda aos fantasmas da sua própria infância e experiência escolar) que fazem os trabalhos de casa dos filhos, cegamente, sem análise e sem questionamento? Porque é que existem alunos felizes e, outros, sentem-se profundamente miseráveis e assustados (por vezes aterrorizados) com a ideia da escola? O que é que faz a diferença afinal?

Talvez tenha chegado a altura de pensarmos acerca do que nos liga a esta estrutura de ensino e o modo como a queremos viver. Parece-me que é caso para reflectir sobre a forma como cada professor, pai e criança se posiciona perante o seu papel e a sua "margem de actuação".

Seria interessante perceber no que diz respeito ao professor, o que é para ele ensinar. É possível ser um bom professor no contexto de ensino actual? Que valor têm os alunos? Que valor tem a sua profissão? Não é mesmo possível fazer diferente? Aos pais, perguntaria, porque é que é tão importante que os seus filhos sejam "bonzinhos" e bons alunos a todo o custo? O que é mais importante, os laços e a vida familiar, ou o sucesso escolar dos filhos? Que valor tem o bem estar dos seus filhos? Que valor tem o seu próprio bem estar? Do aluno, gostaria de saber, como é que é ser criança nos dias de hoje? O que representa a escola para a ele? Como é que se sente no seu papel de aluno? O que é que ele precisa para crescer bem e saudável? O que é que ele acha realmente importante para que um dia seja um adulto bem sucedido e feliz?

A todos, eu perguntaria: Que escolhas estamos a fazer para as nossas vidas?!

Pais a fazerem os trabalhos de casa pelos filhos porque os filhos não conseguem!
Pais e filhos até "altas horas" da noite a cumprirem com os trabalhos de casa ao invés de conversarem, partilharem, brincarem e rirem!
Pais presos à ideia errada de que sucesso escolar quer invariavelmente dizer sucesso na vida adulta e vice-versa!
Pais que aceitam ver a infelicidade dos seus filhos como sendo um sacrifício necessário para um "bem maior"!
Professores que acreditam que fazem como fazem porque não existem outras formas de fazer!

Será que tem mesmo que ser assim?
Se eu acredito que não, então a pergunta que se impõe é "que escolhas posso EU fazer?!"

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Afinal o que são os "terrible twos"?

São já muitos os pais que ouviram falar nos "Terrible Twos". Uma fase, que diz-se, pode acontecer entre os 18 meses e os 3 anos de idade. Diz a literatura, que corresponde a um período em que a criança começa a desenvolver comportamentos de oposição, desafiando deliberadamente as solicitações dos pais. Diz-se também, que é normal e que praticamente todas as crianças passam por isso, ainda que de forma mais, ou menos suave. Alguns pais esperançosos, lançam o desafio ao universo dizendo "eu não acredito que as birras existam!" e atribuem as mesmas a erros de interpretação por parte dos pais, outros a falta de "pulso" e "limites".

Afinal o que são os "terríveis dois anos?" e serão assim tão temíveis?
Imagine o que é acordar de manhã e ter uma pessoa à sua volta a vesti-la, a escolher o seu pequeno almoço, a dizer-lhe para estar sossegado(a), para se despachar para não haver atrasos, a lavar-lhe os dentes, a pentear-lhe os caracóis (sim, sem dúvida um grande desafio!), a pô-lo(a) a fazer xixi (a horas certas), ou a trocar-lhe a fralda, enquanto tem expectativas de que tudo isso corra de forma tranquila e sem grande percalços. Aceitaria passivamente que lhe escolhessem a roupa? O que comer? O que fazer e como fazer? Acredite que se para o bebé, até esta altura, tudo isto fazia parte da rotina, agora, para o bebé criança, tudo mudou. Esta é uma fase de grande transformação para os nossos filhos, é um período muito desafiante tanto para eles como para nós. Por um lado, queremos vê-los crescer bem e saudavelmente, por outro, não queremos "perder" o nosso bebé. Da mesma forma, os nossos filhos sentem que estão a crescer e que têm cada vez mais poder sobre a sua própria vida, e são cada vez mais capazes de fazer coisas, e mais ainda, de dizer coisas (aceitar, recusar, escolher...). No entanto, percebem que isso não é fácil, nem sempre é promovido ou apoiado pelos pais e, também não deixam de querer continuar a ser o nosso bebé.

O segredo? O segredo passa por confiar e compreender. Primeiro confiar que ajudar o nosso filho a crescer não implica perder o nosso bebé, mas antes pelo contrário, corresponde a vê-lo a ganhar e conquistar cada vez mais coisas para si. Por outro lado, compreender que este processo não só não é fácil para ele, como vai desencadear uma série de conflitos internos, difíceis de gerir, e que isso, por vezes, vai desencadear momentos de grandes e intensas "birras".

Se eu confio e compreendo as necessidades do meu filho naquele momento, então o que é que eu faço? Dou-lhe aquilo que está a precisar. Maior autonomia. Então a estratégia passa por descobrir tudo aquilo que os nossos filhos já são capazes de fazer, tudo aquilo que não são capazes mas acreditam ser, e começar a atribuir tarefas e ensinar o que for possível. Comer sozinhos, escolher a roupa (ou parte), ajudar no supermercado, ajudar com pequenas tarefas, são apenas alguns exemplos que fazem toda a diferença. Com acompanhamento, ensinando e dando cada vez mais margem de manobra, as crianças sentem que as suas necessidades de autonomia (tão importantes nesta fase) estão a ser correspondidas e em certa medida "saciadas". Sentem também que o seu crescimento está a ser validado e que continuam a ser acompanhados. Crescer é afinal prazeroso e não implica perder a proximidade dos pais, e isso, é profundamente reconfortante.

No entanto, as receitas não são milagrosas, e por vezes, as emoções são muitas e a capacidade de as gerir ainda é pouca. É fundamental que se deixe sair a confusão, a zanga, a frustração, a tristeza, através de alguns momentos de intenso choro, que podem ocorrer a propósito das mais despropositadas coisas (pelos menos aos nossos olhos). O nosso papel, é estar lá, acompanhar, esperar, manter a mais doce das firmezas, e aguardar que o nosso filho permita, no final, aquele abraço reparador. Um abraço importante, mas que não aceita o comportamento a todo o custo e sem limites (mesmo que com o "descontrolo" da birra, não permito nunca que a minha filha me magoe), mas que compreende as emoções que o desencadearam. Depois da minha filha se acalmar, gosto de lhe dizer, "então, já te sentes melhor? Já te posso dar um abraço?".

Os "terríveis dois anos" são apenas mais um desafio no meio de tantos. Com serenidade e muito amor, podemos abrir espaço para descobrir o quanto esta fase pode ser tão saborosa. As conquistas dos nossos filhos, em grande medida, são também nossas. E nada mais delicioso do que ver os nossos bebés a crescer felizes, e mais ainda, a serem capazes de nos dizer isso mesmo, através das suas próprias palavras e acções.

Abraço,
Ana Guilhas, Psicóloga