sábado, 6 de fevereiro de 2016

Tirar a Máscara

Ninguém chega a adulto, sem ter sido criança. Assim como ninguém vive realidade sem existir em si fantasia. Podemos, sim, dizer que existem muitas formas de infância (umas melhores e outras bem mais duras), assim como existem muitas formas de olhar a realidade e dar espaço à fantasia na nossa vida. Em grande medida, no caminho que fazemos do período de infância – onde a fantasia corre livremente e enriquece toda a experiência que fazemos da realidade – até chegarmos à vida adulta – onde reinam o interdito, o inadequado, a vergonha e a condenação social – aprendemos a domar (e esconder) muito do que não deixa de ser também da nossa essência.
Em todos nós, existe um mundo secreto que por vezes até o próprio tem dificuldade em conhecer, aceitar e perceber. No dia a dia, vêm-se as mascaras que usamos, acreditando estar assim a viver mais próximos das regras sociais, mais próximos do que os outros esperam de nós, acreditamos desta forma estar mais protegidos. No cofre, mantemos os nossas desejos ou necessidades mais íntimas, aquelas que acreditamos não poderem (ou deverem) ser concretizadas.
Muitas pessoas esperam cuidadosamente pelos momentos em que acreditam estar sujeitos a uma menor censura social, como nas festas, ou em momentos em que adormecem a sua própria censura através do consumo de álcool, para se libertarem. E o Carnaval é, nesse sentido, a festa por excelência, da fantasia e libertação. 
Ao contrário do que poderíamos pensar, o Carnaval é, para muitos, mais do que um vestir de uma máscara, a possibilidade de despir as muitas que se carrega ao longo do ano. Em vivência de brincadeira, simples alegria ou grande euforia, neste período do ano, as pessoas permitem-se brincar novamente tal como o fazem livremente as crianças. Outras ainda, aproveitam para viver em si mesmas o que não se permitem viver o resto do ano. Como se de uma pausa na vida se tratasse, para regressar à "realidade" no dia a seguir. 
Festejar, sentir alegria, animação e viver com criatividade podem ser componentes reais do nosso dia a dia. Tenho para mim que se as pessoas se permitissem viver mais plenamente, cumprindo-se mais ao longo do ano, com mais verdade e liberdade, ainda que em equilíbrio com as primordiais (e apenas estas) regras pessoais e sociais, o Carnaval duraria bem mais do que três dias. Porque na realidade, e felizmente, a vida são muito mais do que dois dias. Resta saber se temos espaço na nossa vida para divertimento e alegria, sem que para isso tenhamos que usar uma máscara.

Autor: Ana Guilhas
Originalmente publicado em: Notícias de Cá e de Lá (edição nº 37)