quinta-feira, 26 de novembro de 2015

"De terroristas e de loucos..."

Partilho um texto que escrevi em Janeiro de 2015 e que, infelizmente, volta à actualidade.

Quarta-feira, 7 de Janeiro, a tragédia de Paris confronta uma Europa, já de si tão ocupada a (di)gerir as suas trapalhadas económicas, com mais um desafio! Ainda que não represente uma realidade completamente nova, o violento ataque ao jornal satírico "Charlie Hebdo”, por ter acontecido no “nosso quintal”, põe a descoberto uma vulnerabilidade que nos obriga a todos a reflectir e a posicionar-nos perante realidades que tantas vezes preferimos ignorar. Como forma de nos sentirmos mais seguros, é muito fácil classificar os responsáveis por tais actos de loucos e/ou psicopatas. Queremos acreditar que loucos à solta por aí, apesar de tudo, não devem ser tantos assim!
No entanto, entenda-se que sociopata (o termo mais correcto) é uma coisa, e terrorista, é outra bem diferente. É verdade que existirão sociopatas que são terroristas, mas é também verdade que muitos terroristas não apresentam necessariamente traços de doença mental e, tirando o discurso que reflecte a sua ideologia, não se conseguem perceber “anormalidades”. Quer isto dizer que não podemos definir um perfil tipo, embora não se possa negar a existência de dimensões psicológicas subjacentes. Tanto mais se pode afirmar isto, pelos contornos de frieza e crueldade de que se reveste o crime. 
Acresce que estas pessoas nasceram e cresceram em França. País de acolhimento de seus pais, e ao qual não hesitam em dirigir o seu ódio. Há pois que saber que terroristas nascidos e educados em contextos de morte e de raiva e cuja estrutura mental é dominada por valores radicalmente diferentes dos nossos, é um fenómeno bem diferente de terroristas nascidos e educados num país ocidental, no qual a informação circula e “transborda”. 
Este é um risco que assiste a todos os jovens franceses? É natural pensar que necessariamente estas pessoas, estavam de alguma forma mais vulneráveis, zangados. Podemos imaginar que eram dotados de pouco sentido crítico e de capacidade de dialogo. Parece-me certo que estes homens terão histórias pessoais muito particulares. Estes ingredientes, aliados aos seus valores e crenças, serão a receita ideal para a tragédia.
Se olharmos nesta perspectiva, fica então a descoberto, o insucesso de toda uma estrutura que se quer sólida. Família, escola pública, sociedade e política falharam! Apressamo-nos às armas, alianças e acções conjuntas. Mas se queremos dar resposta a este atentado, então não será também aí que deveremos intervir?
Não quero, de todo, com isto desresponsabilizar cada um dos elementos envolvidos. Estamos a falar de homens treinados militarmente e de uma acção planeada e premeditada. Convido-vos sim, a uma reflexão mais alargada, na qual nos permitimos olhar para o papel de todos e de cada um.
É fácil indignarmo-nos e gritarmos por valores mais altos e nobres como liberdade, tolerância e respeito pela vida humana. Mas eu não posso deixar de pensar na forma como estes valores existem na sociedade e em cada um de nós. Terão sido interiorizados mecanicamente? Fruto de uma pressão e evolução social, ou serão mesmo nossos intrinsecamente vividos e sentidos? Farão parte da nossa essência?
Confesso que me assusto de cada vez que leio comentários a artigos e/ou opiniões veiculadas na internet. Assusta-me sempre que se ferem ou matam pessoas porque eram adeptos de outros clubes. Assusta-me sempre que se humilha, ameaça ou diminui alguém apenas porque é diferente de nós. Assusta-me que se olhe com uma “indignação indiferente” para a miséria, injustiça e sofrimento alheio. Será caso para relembrar que “de terroristas e de loucos, todos temos um pouco?”.

Originalmente publicado na edição 28 do
Jornal  "Notícias de Cá e de Lá" (31 de Janeiro de 2015)

"Eu quero. Talvez. Não sei..."

É muito fácil dizer "eu quero" ou "eu penso". Difícil, é querer mesmo. Difícil, é pensar livremente sem a "poluição" dos todos os nossos medos, fantasmas, culpas e limitações (auto-impostas). Parece-me infelizmente que, nos dias que correm, existe muita vontade e muito pouco querer. Ouvem-se muitos "quero mudança", "quero estar mais feliz", "quero ter mais", que parecem situar-se ao nível de um "querer" infantilizado, em que a criança espera que alguém, que não ela, faça os seus desejos se realizarem. Isto porque quando perguntamos a algumas pessoas (dadas a "fortes" desejos) o que estão a fazer efetivamente para alcançarem o que pretendem, percebemos que, na realidade, é um absoluto NADA.

Contudo, não deixa de ser interessante analisar esse "nada". Porquê o esforço, quando, na realidade, podemos apenas ligar o "queixómetro" e sentirmos que de repente parece que temos alguma coisa a dizer? É como se às vezes as nossas dificuldades nos dessem temas de conversa. Razões para falarmos e estarmos com o outro. Se não tivéssemos problemas do que é que falaríamos então? De coisas verdadeiramente úteis? (isso não, credo!) O problema é que queixarmo-nos dá a sensação de que estamos a fazer alguma coisa por nós. E criamos a ilusão de que estamos a receber alguma coisa da parte do outro. 

Na verdade, criar momentos de partilha, intimidade e verdade, com as pessoas de quem gostamos é importante e pode ser muito útil. Mas isto, se o fizermos com o objectivo de construir pensamento, confrontar realidades e possibilidades, para depois avançar para a acção. Essa acção, só pode ser nossa. Não tenhamos ilusões. Nem eu resolvo os problemas do outro, nem o outro resolve os meus problemas. Só o próprio, com a força do seu querer (o verdadeiro) e com o poder do seu pensamento, escolhas e acção é que pode transformar a sua vida.

Na realidade, parece-me que a grande maioria das pessoas até já percebeu isto, no entanto, muitos ainda se vêem presos a uma crença íntima de que um dia, um qualquer super-herói (ou milagre) o irá salvar de si mesmo e da sua inacção. Isto, para descobrir mais tarde (às vezes mesmo bastante tarde) que ninguém salva ninguém. Nós somos o nosso próprio super-herói. E se é verdade que os super-heróis podem agir em conjunto (tipo “Os Vingadores”), a verdade é que cada um tem que fazer uso de si mesmo, da sua acção e do seu poder.

Mas primeiro, se calhar temos que avaliar bem as nossas posições. Os nossos verdadeiros desejos, os nossos verdadeiros ideais. É preciso sabermos exactamente onde é que cada um de nós está, e onde é que queremos verdadeiramente estar enquanto pessoa, enquanto ser individual, capaz de escolher livremente, e para o seu bem pessoal.